Micos 2 - continuação


Com todo o cuidado pegamos o mico, que imediatamente se agarrou firmemente a um dos meus dedos, procurando calor e abrigo, emitindo um gritinho característico dessa espécie, como que procurando a mãe. Fizemos, com muita dificuldade, uma avaliação ´médica´ e, apesar de não estar ´pulando de galho em galho´, pois era bem novinho, constatamos que tudo parecia bem, menos um olho, cujas pálpebras estavam um pouco coladas. Mas e a mãe? Será que não achou o filho caído? Difícil. Será que alguma coisa diferente aconteceu? Brigas entre diferentes grupos acontecem e são bastante violentas. Pode ser. Sabemos que na natureza as coisas são bem diferentes, inclusive que animais com poucas chances de sobrevivência são abandonados (ou mesmo mortos). Mas será que um olho meio grudado (como por remelas) seria motivo para abandono? Durante um bom tempo tentamos encontrar o grupo de micos nas árvores mas, como já eram mais de 5h da tarde, eles já tinham se recolhido(?) para aguardar a noite chegar (na floresta é assim!). E agora, o que fazer com o mico, ainda agarrado ao dedo? Alimentá-lo, é claro. Preparamos uma mamadeira com uma seringa e conseguimos que ele se alimentasse, apesar de ter demonstrado não gostar daquele leite. Com um cotonete e soro fisiológico fizemos uma limpeza no olho meio fechado, à qual o mico reagiu demonstrando desconforto. Mas ficou limpo! A essa altura, já noite, voltou a pergunta: o que fazer agora? Já era hora de retornar para casa! Após intensa agitação dos neurônios de todos os que estavam participando do ´salvamento´, nenhuma idéia melhor do que levar o mico para a minha casa! Mas eu tenho uma moto! E preciso das duas mãos para dirigí-la. E quem vai aquecer o mico? Caramba, mesmo exaustos, os neurônios sugeriram levá-lo da forma mais simples e prática. Adivinhou? Sim, é claro, no meu peito, onde mais? E lá fui eu, com o mico perfeitamente agarrado aos pelos do meu peito, bem quentinho, debaixo do meu casaco. Chegando em casa (tenho dois filhos pequenos), fui fazer uma surpresa para eles mas, quando levantei a camisa e eles viram o mico, tomaram o maior susto e saíram correndo. Após muito papo, o menor se aproximou e tocou de leve no mico. A maior não permitia qualquer aproximação. Mas, sabe como são as crianças: em pouco tempo, o mico já tomava leite com eles. Só que criança também pergunta cada coisa complicada... Porque a mãe dele não voltou para buscá-lo? Expliquei que na natureza os animais têm que se preocupar também com eles próprios, já era tarde, no dia seguinte ela deveria procurar por ele. E quis ser mais completo na resposta, pois havia a possibilidade de ele estar doente, ou ser fraco, podendo vir a morrer em breve... Aproveitei para falar de morte, assunto difícil mas importante. Pouco adiantou: abandonar o filho? Depois de muita indignação e até mesmo lágrimas, precisávamos ir dormir. Mas, e para dormir? Não ia dar para aceitar a sugestão anterior dos neurônios, portanto fizemos uma caminha numa caixa, colocando uma lâmpada para aquecer o bicho. Funcionou e, após duas mamadeiras durante a madrugada (sem problema, isso eu tirei de letra...), no dia seguinte, lá estava eu retornando ao Campus (de moto, com o mico no peito, é claro), para nova tentativa de devolvermos o mico à sua mãe. Quando avistamos um grupo de micos, fizemos com que vissem o miquinho e, muito preocupados com nossa presença perto deles, foi aquela gritaria. Aos poucos, uns se aproximaram e, como o miquinho não se mexia nem emitia sons, um deles chegou bem perto, tocando-o. Imediatamente, o miquinho tentou se agarrar a ele. Mas o mico se esquivou, pulando para um galho próximo. Depois de mais duas investidas de outros micos curiosos, o miquinho finalmente conseguiu se agarrar e lá foi ele, preso às costas do seu semelhante (digo isso pois não temos a menor idéia do parentesco deles). Pensamos que estava tudo terminado. Quem dera, estávamos apenas na metade do caminho. Pois bem, ainda perto de nós, numa forquillha de uma árvore, o mico salvador se juntou a outros dois, que começaram a fazer um ´check-up´ no miquinho, com direito a catação de piolhos (imaginamos isso). Subiram mais um pouco na árvore e ficaram numa posição que não tínhamos mais uma visão integral da cena. Então, dos três, um foi embora sem o miquinho. Depois outro, também sem o miquinho. Já ficamos em alerta, pois a árvore, mesmo próxima, era bem alta e não ia dar para subir se algo desse errado... E deu: aconteceu alguma coisa entre os dois e só vimos algo caindo da árvore. Como o mico olhou para baixo, só poderia ser o miquinho! E lá fomos nós atrás dele. Ainda bem que sobre o solo ficam muitas folhas, que caem das árvores, o que certamente amorteceria a queda de uns 6m de altura. Que sorte!....... A dele, não é? Sabe lá o que é procurar uma agulha num palheiro? É difícil, só que a agulha é prateada, mas o mico, apesar de maior, se confunde com as folhas! Caramba, que sufoco! Após uma meia hora de procura, que mais pareceu meio dia, já que o grupo não se entendia por haver dúvidas se teria sido melhor ou não ´assumir a paternidade´ do miquinho a entregá-lo ´a qualquer um´, e quase desistindo, lá estava o miquinho, agarrado a umas folhas! Sem saber mais o que fazer naquele momento, já que todos os micos haviam se retirado, tratamos de aliviar o stress do miquinho (e nosso, também!). Leite nele, pois nada como uma barriga cheia para relaxar... Mas o leite já teve que ser dado com muita insistência... E o fim do dia foi chegando... É claro, meus filhos agora estavam ansiosos pelo retorno do mico (minha filha entre triste e alegre, pois ainda não aceitava a possibilidade do abandono). Após uma tentativa de alimentação infrutífera, e já percebendo que algo ia dar errado e em breve, pois a respiração já não tinha um ritmo claro e constante, coloquei as crianças em outra atividade pois ´o mico iria dormir´. Lá pela meia-noite, o mico parou de respirar. No dia seguinte, baseado no que havia dito a eles sobre como as coisas acontecem na natureza (ainda bem que falei sobre isso naquela hora!), foi bem mais fácil dar-lhes a notícia e confirmar a ´sabedoria´ da mãe, o que de certa forma aliviou a indignação. Entretanto, o animalzinho já tinha se integrado conosco de tal forma que teria que ter um tratamento especial nessa hora. Preparamos um ´caixão´, a cama dele, e fomos ao Campus (era um domingo) bem cedo, até porque o bicho já estava ´cheirando´ (espero que você não tenha pensado que eu iria colocá-lo na geladeira; mesmo protegido, vamos dizer num recipiente lacrado hermeticamente, isso iria dar confusão). Num gesto de carinho, típico das crianças, duas mensagens de despedida foram colocadas no interior do caixão. Enterrado em lugar certo, daqui a alguns anos estaremos incluindo seu esqueleto em nosso museu.

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