Com
todo o cuidado pegamos o mico, que imediatamente se agarrou firmemente
a um dos meus dedos,
procurando calor e abrigo, emitindo um gritinho característico
dessa espécie, como que procurando a mãe. Fizemos, com
muita dificuldade, uma avaliação ´médica´ e,
apesar de não estar ´pulando de galho em galho´, pois
era bem novinho, constatamos que tudo parecia bem, menos um
olho, cujas pálpebras estavam um pouco coladas. Mas e a mãe?
Será que
não achou o filho caído? Difícil. Será que
alguma coisa diferente aconteceu? Brigas entre diferentes grupos acontecem
e são bastante violentas. Pode ser. Sabemos que na natureza
as coisas são bem diferentes, inclusive que animais com
poucas chances de sobrevivência são abandonados (ou mesmo
mortos). Mas será que um olho meio grudado (como por remelas)
seria motivo para abandono? Durante um bom tempo tentamos encontrar
o grupo de micos
nas árvores mas, como já eram mais de 5h da tarde, eles
já tinham se recolhido(?) para aguardar a noite chegar (na floresta é assim!).
E agora, o que fazer com o mico, ainda agarrado ao dedo? Alimentá-lo, é claro.
Preparamos uma mamadeira com uma seringa e conseguimos que ele se alimentasse,
apesar de ter demonstrado não gostar daquele leite. Com um cotonete
e soro fisiológico fizemos uma limpeza no olho meio fechado, à qual
o mico reagiu
demonstrando desconforto. Mas ficou limpo! A essa altura, já noite,
voltou a pergunta: o que fazer agora? Já era
hora de retornar para casa! Após intensa agitação
dos neurônios de todos os que estavam participando do ´salvamento´,
nenhuma idéia melhor do que levar o mico para a
minha casa! Mas eu tenho uma moto! E preciso das duas mãos para
dirigí-la.
E quem vai aquecer o mico? Caramba, mesmo exaustos, os neurônios
sugeriram levá-lo da forma mais simples e prática. Adivinhou?
Sim, é claro, no meu peito, onde mais? E lá fui eu, com
o mico perfeitamente agarrado aos pelos do meu peito, bem quentinho,
debaixo do meu casaco. Chegando em casa (tenho dois filhos pequenos),
fui fazer uma surpresa para eles mas, quando levantei a camisa e eles
viram o mico, tomaram o maior susto e saíram correndo. Após
muito papo, o menor se aproximou e tocou de leve no mico. A maior não
permitia qualquer aproximação. Mas, sabe como são
as crianças: em pouco tempo, o mico já tomava leite com
eles. Só que criança também pergunta cada coisa
complicada... Porque a mãe dele não voltou para buscá-lo?
Expliquei que na natureza os animais têm que se preocupar também
com eles próprios, já era tarde, no dia seguinte ela
deveria procurar por ele. E quis ser mais completo na resposta, pois
havia
a possibilidade de ele estar doente, ou ser
fraco, podendo vir a morrer em breve... Aproveitei para falar de morte,
assunto difícil mas importante.
Pouco adiantou: abandonar o filho? Depois de muita indignação
e até mesmo lágrimas, precisávamos ir dormir.
Mas, e para dormir? Não ia dar para aceitar a sugestão
anterior dos neurônios, portanto fizemos uma caminha numa caixa,
colocando uma lâmpada para aquecer o bicho. Funcionou e, após
duas mamadeiras durante a madrugada (sem problema, isso eu
tirei de letra...), no dia
seguinte, lá estava eu retornando ao Campus (de moto, com o
mico no peito, é claro), para nova tentativa de devolvermos
o mico à sua
mãe. Quando avistamos
um grupo de micos, fizemos com que vissem o miquinho e, muito preocupados
com nossa presença perto deles,
foi aquela gritaria. Aos poucos, uns se aproximaram e, como o miquinho
não se mexia nem emitia sons, um deles chegou bem perto, tocando-o.
Imediatamente, o miquinho
tentou se agarrar a ele. Mas o mico se esquivou, pulando
para um galho próximo. Depois de mais duas
investidas de outros micos curiosos, o miquinho finalmente conseguiu
se agarrar e lá foi ele, preso às costas do seu semelhante
(digo isso pois não temos a menor idéia do parentesco
deles). Pensamos que estava tudo terminado. Quem dera,
estávamos
apenas na metade do caminho. Pois bem, ainda perto de nós, numa
forquillha de uma árvore, o mico salvador se juntou a outros
dois, que começaram a fazer um ´check-up´ no miquinho,
com direito a catação de piolhos (imaginamos isso). Subiram
mais um pouco na árvore e ficaram numa posição
que não tínhamos mais uma visão integral da cena.
Então,
dos três, um foi embora sem o miquinho. Depois outro, também
sem o miquinho. Já ficamos em alerta, pois a árvore,
mesmo próxima, era bem alta e não ia dar para subir se
algo desse errado... E deu: aconteceu alguma coisa entre os dois e
só vimos
algo caindo da árvore. Como o mico olhou para baixo, só poderia
ser o miquinho! E lá fomos nós
atrás dele. Ainda
bem que sobre o solo ficam muitas folhas, que caem das árvores,
o que certamente amorteceria a queda de uns 6m de altura. Que sorte!.......
A dele, não é? Sabe lá o que é procurar
uma agulha num palheiro? É difícil, só que a
agulha é prateada,
mas o mico, apesar de
maior, se confunde com as folhas! Caramba, que sufoco! Após
uma meia hora de procura, que mais pareceu meio dia, já que
o grupo não
se entendia por haver dúvidas se teria sido melhor ou não ´assumir
a paternidade´ do miquinho a entregá-lo ´a qualquer
um´, e quase desistindo, lá estava o miquinho, agarrado
a umas folhas! Sem saber mais o que fazer naquele momento, já que
todos os micos haviam se retirado, tratamos de aliviar o stress do
miquinho (e nosso, também!). Leite nele, pois nada como uma
barriga cheia para relaxar... Mas o leite já teve que ser dado
com muita insistência...
E o fim do dia foi chegando... É claro, meus filhos agora estavam
ansiosos pelo retorno do mico (minha filha entre triste e alegre, pois
ainda não aceitava a possibilidade do abandono). Após
uma tentativa de alimentação infrutífera, e já percebendo
que algo ia dar errado e em breve, pois a respiração
já não
tinha um ritmo claro e constante, coloquei as crianças em outra
atividade pois ´o mico iria dormir´. Lá pela meia-noite,
o mico parou de respirar. No dia seguinte, baseado no que havia dito
a eles sobre como as coisas acontecem na natureza (ainda bem
que falei sobre isso naquela hora!), foi bem mais fácil dar-lhes
a notícia
e confirmar a ´sabedoria´ da mãe, o que de certa
forma aliviou a indignação. Entretanto, o animalzinho
já tinha
se integrado conosco de tal forma que teria que ter um tratamento especial
nessa hora. Preparamos um ´caixão´, a cama
dele, e fomos ao Campus (era um domingo) bem cedo, até porque
o bicho já estava
´cheirando´ (espero que você não tenha pensado
que eu iria colocá-lo na geladeira; mesmo protegido, vamos dizer
num recipiente lacrado hermeticamente, isso iria dar confusão).
Num gesto de carinho, típico das crianças, duas mensagens
de despedida foram colocadas no interior do caixão. Enterrado
em lugar certo, daqui a alguns anos estaremos incluindo seu esqueleto
em nosso
museu.